Eduardo (nome fictício) era um homem de 27 anos que chega ao meu consultório com uma queixa específica: sou muito ansioso. Relata que estava com dificuldades para dormir, sentia-se inquieto e irritado a todo momento, tinha dificuldades em se concentrar em qualquer coisa como ler um livro ou assistir aos episódios de sua séria favorita, […]
Eduardo (nome fictício) era um homem de 27 anos que chega ao meu consultório com uma queixa específica: sou muito ansioso. Relata que estava com dificuldades para dormir, sentia-se inquieto e irritado a todo momento, tinha dificuldades em se concentrar em qualquer coisa como ler um livro ou assistir aos episódios de sua séria favorita, não conseguia ficar muito tempo parado na mesma posição e não sentia motivação para fazer nada. Aos 27 anos, morava com os pais, havia abandonado a faculdade de hotelaria no final do primeiro ano, era solteiro, tendo tido apenas relacionamentos passageiros, e nunca havia trabalhado.
Depois de algum tempo conversando, decido compreender melhor o que Eduardo gosta de fazer, quais são seus sonhos e o que ele deseja. Quando pergunto “o que você gosta de fazer?” ele não sabe me responder, me dá apenas respostas vagas e imprecisas. Sinto surgir uma grande angústia naquele momento e Eduardo complementa sua resposta: “não sei do que eu gosto, ou que quero fazer da minha vida. E quando fico pensando muito nisso, a única coisa que me acalma é acender um baseado”.
Eduardo experimentou maconha aos 13 anos, quando seus colegas vizinhos lhe ofereceram a droga durante uma tarde em que brincavam na rua. Desde então a droga faz parte de sua rotina e ele a entende como um remédio “calmante” que o ajuda a ficar mais tranquilo.
O que a história do Eduardo pode nos ensinar? A forma como se deu o primeiro uso, os motivos que o levam a usar maconha até hoje, seu entendimento sobre a maconha, a relações que tem com seus pais, a forma como Eduardo lida com as angústias e dificuldades que encontra na vida, seu histórico familiar, a contexto sociocultural de seu bairro/cidade…Inúmeros aspectos poderiam ser abordados diante de sua história. Mas hoje quero conversar com vocês sobre os prejuízos que o uso da maconha trouxe para a vida do Eduardo.
Vou começar pela crença que muitas pessoas possuem: a maconha como uma ‘droga leve’. Então eu pergunto, o que seria uma droga leve para você? Acho que a resposta para essa pergunta vai ser diferente para cada pessoa que se proponha a respondê-la. Isso porque, o que é um valor para mim pode não ser para você, simples assim. Para mim, Paula, meus maiores valores são minha capacidade de sentir e minha intelectualidade, minha capacidade de pensar, refletir e assimilar novos conhecimentos. Portanto, uma ‘droga pesada’ para mim é aquela que pode me tirar essas habilidades.
Agora segue uma informação prática para vocês, caros leitores: o uso crônico da maconha nos causa o que chamamos de ‘síndrome amotivacional’ e é capaz de reduzir nosso nível de inteligência.
A síndrome amotivacional (1) é um estado de diminuição da energia e da vontade, da capacidade de atenção e julgamento e da habilidade de comunicação. Nesta situação, o usuário começa a desenvolver grande prejuízo nas suas habilidades sociais e de trabalho devido a um quadro de introversão e baixa motivação para encarar novos desafios e aprendizados, situação bastante similar à depressão. Estudos mostram que o uso persistente da maconha pode causar quadros importantes de depressão e ansiedade, irritabilidade, ataques de pânico e, inclusive, comportamentos impulsivos como tentativas de suicídio (2–4).
Além disso, o uso crônico da maconha, especialmente quando iniciado antes do final do desenvolvimento cerebral (que ocorre perto dos 21 anos de idade), pode levar a uma redução significativa do nível de inteligência. Pessoas que começaram o uso de maconha na adolescência e que permaneceram usando por anos podem ter em média 8 pontos a menos no coeficiente de inteligência (Q.I.) em comparação a não-usuários da droga. (5)
Portanto, para mim, maconha é uma ‘droga pesada’ sim. E para você?
Para o Eduardo, que antes de começar seu tratamento comigo não sabia de tudo isso, a maconha era só uma plantinha que o ajudava a relaxar. Mas, depois de entender o que realmente a maconha significa, pôde rever seu uso e entender que existem maneiras melhores de lidar com sua ansiedade.
O uso de maconha por anos pode nos ajudar a entender o porquê de Eduardo não ter concluído a faculdade, nunca ter conseguido trabalhar, não saber identificar seus desejos e nunca ter conseguido se emancipar da família. Mas quero fazer uma pontuação importante: se desde muito novo ele precisava da maconha para se sentir tranquilo, significa que existe algo anterior ao uso que o causava mal-estar psíquico, e é aí que um processo terapêutico deve chegar.
Muito ainda temos para conversar por aqui. A experimentação de drogas e os comportamentos adictivos são fenômenos complexos e multicausais, ou seja, não existe uma única e simples explicação para eles. Mesmo assim, muitas informações e dados de realidade que não são disseminados pela grande mídia e pelas ações públicas de comunicação podem nos ajudar a compreendê-los. Continue nos lendo por aqui. Seguimos juntos nessa caminhada.
Para quem não sabe, também sou colunista da Revista Dependência Química & Saúde Mental – @revistadependenciaquimica. Esse texto foi publicado em sua edição de Janeiro/2021.
Referências
- Brook J, Richter L, Rubenstone E. Consequences of adolescent drug use on psychiatric disorders in early adulthood. Ann Med. 2000;(14):401–7.
- Brook JS, Richter L, Whiteman M, Cohen P. Consequences of adolescent marijuana use: incompatibility with the assumption of adult roles. Genet Soc Gen Psychol Monogr.1999;125(2):193–207.
- Behrendt S, Wittchen HU, Höfler M, Lieb R, Beesdo K. Transitions from first substance use to substance use disorders in adolescence: Is early onset associated with a rapid escalation? Drug Alcohol Depend. 2009;99(1–3):68–78.
- Gobbi G, Atkin T, Zytynski T, Wang S, Askari S, Boruff J, et al. Association of Cannabis Use in Adolescence and Risk of Depression, Anxiety, and Suicidality in Young Adulthood A Systematic Review and Meta-analysis. Jama Psychiatry. 2019.
- Odgers CL, Caspi A, Nagin DS, Piquero AR, Slutske WS, Milne BJ, et al. Is it important to prevent early exposure to drugs and alcohol among adolescents? Psychol Sci. 2008;19(10):1037–44.