Transcrição de entrevista concedida ao canal do youtube “Grupo Infinite”. Você pode assistir à entrevista acessando aqui. Boa leitura! Não esqueça de deixar seu comentário me dizendo o que achou 😉 1⁰ Como os pais podem identificar comportamentos de risco em seus filhos ou até mesmo identificar se eles já estão em uso de alguma […]
Transcrição de entrevista concedida ao canal do youtube “Grupo Infinite”.
Você pode assistir à entrevista acessando aqui.
Boa leitura! Não esqueça de deixar seu comentário me dizendo o que achou 😉
1⁰ Como os pais podem identificar comportamentos de risco em seus filhos ou até mesmo identificar se eles já estão em uso de alguma droga?
Antes de falar sobre comportamento, importante ressaltar a multideterminação do uso problemático de drogas. Não podemos excluir a investigação de fatores hereditários, epigenéticos, ambientais, pré e peri natais quando debatemos possíveis causas dessa condição.
Para responder a essa pergunta, eu começaria propondo que esses pais façam uma autoanálise ou procurem orientação (talvez iniciando seu próprio processo psicoterápico) a fim de tentarem encontrar em si o que pode ser fator protetivo ou fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais ou sofrimento psíquico em seus filhos. Tudo começa na forma como esses pais compreender suas próprias questões, suas próprias histórias, suas próprias relações com seus pais.
É muito saudável para pais e mãe que estes comecem a se perguntar:
Quais expectativas eu tenho diante do meu filho: eu acredito que ele salvará meu casamento? Eu espero que por meio da criação dele eu definitivamente atenda as expectativas que minha mãe ou pai têm sobre mim? Eu espero que ele realize todos os sonhos que eu não pude realizar? Eu permito que ele manifeste suas próprias vontades ou tento o moldar a partir das minhas? Como é a participação da figura paterna na criação deste filho? Eu, como mãe, permito que o pai entre nessa relação? Ou sou uma mãe que desautoriza/diminui/afasta o pai diante do meu filho? Eu ajudo meu filho a identificar e reconhecer seus sentimentos e explico para ele o que são esses sentimentos? Eu explico como as coisas, pessoas e sentimentos funcionam ou simplesmente espero que ele entenda? Eu terceirizo o cuidado do meu filho por estar muito ocupado(a) com coisas “mais importantes”?
Acho que essas são boas perguntas por onde começar.
Enquanto pais, como agir preventivamente? Ou seja, o que os pais podem fazer para ajudar a diminuir as chances de seus filhos se envolverem com drogas?
É preciso entender que crianças manifestam problemas dos adultos que a cercam. O comportamento das crianças muitas vezes são reflexos do que observam em casa. O envolvimento com o ilícito, com o “proibido”, começa quando a criança não reconhece ou não valida o impedido, o interditado. Para isso ela deve ter sido ensinada a lidar com o fato de que parte de seus desejos serão frustrados para o bom convívio em grupo. Enquanto estivermos falando de crianças, o tal do problema deve ser buscado, primeiramente, na postura, escolhas, comportamentos, valores e posturas das figuras parentais e como tem acontecido a relação entre pais e filhos.
Qual é o estilo parental mais evidente na família: negligente, permissivo, autoritário ou autoritativo? (você conhece esses estilos parentais? Caso queira entende-los melhor deixe seu comentário!).
3⁰ Como lidar com os problemas e com o convívio familiar, visto que para o usuário de drogas se manter nas relações é um desafio?
Geralmente as famílias que possuem 1 ou mais membros usuários problemáticos de drogas possuem dinâmicas conflituosas e por vezes disfuncionais. A partir da minha experiência clínica é possível dizer que as relações familiares serão sempre um desafio para o usuário de drogas, talvez numa intensidade um pouco maior do que para os não-usuários, considerando que todos nós ciclamos entre períodos de amor e ódio nessas relações. Um dos pontos a ser melhor elaborado junto ao usuário de drogas é o quanto ele está disposto e é capaz de sustentar angustias. Sendo sua família uma família disfuncional, é inevitável que de lá surjam inúmeros afetos penosos ao usuário e o que ele fará com isso é a grande questão.
Em minha experiência já vi:
– filhos ou filhas que possuem uma relação muito fria e distante com seu pai, enquanto mantêm uma relação extremamente simbiótica/intensa/próxima com a mãe. Por vezes a figura paterna é ausente devido a óbito ou abandono real, mas as vezes ela está presente em casa, contudo, apenas fisicamente, sem envolvimento afetivo real com a criança. Nessas situações os filhos podem ser colocados entre a mãe e o pai, o que tem potencial de lhes gerar conflitos internos difíceis de manejar, o que dificulta a construção de uma identidade única e propicia a permanência na simbiose materna. Essa dinâmica pode esconder problemas conjugais sérios (perda do interesse entre os parceiros, traições, segredos, traumas, etc), e o filho acaba se tornando a “distração” para que esses pais não entrem em contato com seus reais problemas – “melhor ainda se for uma distração que ocupe tanto tempo e demande tanta atenção como a dependência química”.
– famílias com histórico de mortes prematuras e/ou violentas , o que coloca um elefante na sala, temas que se tornam tabus nunca verbalizados.
– mães angustiadas que não se sentem realizadas em suas vidas e que, sem filtro algum, transferem suas angustias para os filhos desde muito pequenos.
– pai e/ou mãe que foram usuários enquanto o filho era pequeno e agora cobram que seus filhos façam diferente.
É muito complicado para o usuário reconhecer e ressignificar suas relações parentais, especialmente aquelas com quem mantem relação de codependência (geralmente figuras maternas): a mesma pessoa que representa a forma mais potente de afeto, também acaba por representar a forma mais potente de dor e angústia, até mesmo desejo de vingança.
4⁰ Como o usuário problemático de drogas em reabilitação pode construir uma vida pautada pelas responsabilidades?
Na psicanálise entendemos que os maiores desafios para o usuário de drogas é:
- O choque de realidade: pois o uso da droga é uma tentativa de escapar de sua humanidade (o que há de mais real), alcançar o patamar dos deuses no qual ele está acima dos ‘pobres mortais’, ele se sente um ser diferenciado, que pensa além, que faz além, que tudo sabe e entende, já viveu e passou por coisas que os ‘meros mortais’ não entenderiam, então por isso acreditam que podem criar um universo só para eles onde são Deus, distante de toda essa pequenez dos humanos. Esse universo é sustentado pelo frenesi do uso da droga.
- Raiva, ressentimento e vingança: Entender seu desejo de vingança, ressignificar seu ressentimento e sua raiva (geralmente atrelados a um ideia de abandono ou rejeição). Raiva porque meu desejo não foi atendido, ressentimento porque é difícil aceitar que meu desejo não foi satisfeito e vingança para dar descarga a todos esses afetos penosos na figura que me frustrou. Sentir-se impedido de possuir algo que desejo desperta nestes usuário o sentimento de raiva; o uso da droga é como um vingar-se contra ‘eles’ (sadismo) – ‘eles’ seriam mãe, pai, familiares, colegas de trabalho, psicanalista, qualquer figura que represente autoridade, e essa vingança ocorre em seu próprio corpo.
- Diferenciação e individuação: o objeto preferido de ataque do adicto é seu corpo (o próprio uso da droga, as tentativas de suicídio) devido ao caráter insuportável que a experiência de autonomia e diferenciação tem para eles. O pai que protege e transmite segurança não pode ou não quis entrar. Se pudessem, os adictos retornariam ao útero da mãe e acabariam com sua corporeidade. A ideia aqui é que o mundo não é um local seguro. Embora o temor da morte seja sentido por todos nós, ele pode assumir expressões exageradas como intolerância a frustração, ao fracasso, à incerteza e à perda. Nos adictos esse temor exacerbado é um traço de sua personalidade; ele é dominado por angustias e temores insuportáveis (fragilidade do EGO). A maneira como o adicto sente sua fragilidade egóica é a mesma sensação que a morte lhe causa. Sentir-se frágil ou derrotado é como morrer (reação exagerada pois sente que não é capaz de aguentar). Ele precisa entender que ele é sim capaz sim de sustentar e lidar com angústias.