Podemos escolher a perspectiva pela qual pensamos nossas vidas e, a partir dessa escolha, compreender o que seria um estado ótimo de qualidade de vida ou bem estar. Uma dessas perspectivas pode nos oferecer o entendimento de que a forma como desempenhamos nossas atividades, sejam elas afetivas-vinculares, sociais, produtivas, cognitivas, de autocuidado ou de lazer, […]
Podemos escolher a perspectiva pela qual pensamos nossas vidas e, a partir dessa escolha, compreender o que seria um estado ótimo de qualidade de vida ou bem estar. Uma dessas perspectivas pode nos oferecer o entendimento de que a forma como desempenhamos nossas atividades, sejam elas afetivas-vinculares, sociais, produtivas, cognitivas, de autocuidado ou de lazer, e a satisfação que temos diante desse nosso desempenho é o que definiria em que ponto estaríamos em um gradiente imaginativo que variaria de péssimo a excelente padrão de bem-estar. Com isso, estaríamos desempenhando nossas atividades diárias em busca de uma sensação de satisfação que, por fim, é o que definiria a ‘nota’ que daríamos para nossa própria vida, nossa própria existência.
Essa reflexão pode nos fazer pensar que estamos em um movimento constante de busca por algo que nos satisfaça, que nos faça encontrar sentido naquilo que experienciamos, que nos cause prazer, seja ele prolongado ou imediato. Queremos nos sentir preenchidos, saciados em nossos desejos, afim de gozarmos diante da vida. E é neste ponto que talvez caibam algumas perguntas que me parecem essenciais. Aonde estamos buscando a satisfação? Estamos dispostos a chegar até que ponto a fim de nos sentirmos satisfeitos? Quais valores morais nos impedem de alcançar a tão esperada satisfação, ou quais valores eu estaria disposto a ignorar para fazer algo que me traga satisfação?
Para a psicanálise, a experiência da satisfação é o que torna o ser humano um ser desejante. E esse processo começa ainda quando somos bebês. Por necessidades endógenas, o bebê percebe a mãe como um objeto externo que pode lhe auxiliar na resolução de seu mal-estar (frio, fome, sono, desamparo), o que lhe causaria a sensação de satisfação. A partir disso, é registrado em seu psiquismo essa sensação, e por meio da repetição, o bebê desenvolve o desejo pela satisfação. Portanto, é importante que nas fases esperadas do desenvolvimento humano, o bebê seja apresentado a essa sensação de satisfação, mas uma mãe não reagente, não instintiva ou não perceptiva às necessidades endógenas do bebê pode fazer com que isso não aconteça. Agora, pensemos no adulto alcoolista ou drogadito. Esse mesmo bebê, que se torna criança, adolescente e depois adulto ficou aprisionado na busca do objeto externo que irá lhe proporcionar satisfação. Como esse bebê não teve na idade esperada o objeto externo primário ideal (a mãe), o aparelho psíquico adulto de hoje encontra no álcool ou em outras drogas a sensação de satisfação que tanto deseja. Talvez eles ainda estejam parados nessa impressão primária do aparelho psíquico, esperando que algum objeto externo venha lhe “curar” seu mal-estar e causar-lhe satisfação.
Não é à toa que popularmente o sujeito intoxicado por álcool seja rotulado como “mamado”. Ele mamou na mamadeira fonte de satisfação que hoje, enquanto adulto, ele pode conseguir, a garrafa de bebida, e que antes ele não teve, o seio materno ideal.
Voltando as perguntas colocadas anteriormente, o alcoolista ou drogadito, na busca incessante e incansável pela satisfação pelo objeto exterior, deteriora toda uma estrutura familiar, perde seu trabalho, abandona papéis sociais de pai, mãe, filho(a), amigo(a), trabalhador(a), fere seriamente seu próprio corpo físico, se aproximando de situações limítrofes à morte como o coma, desnutrição, desidratação, tudo em busca da idealizada sensação de satisfação que não lhe foi apresentada nos estágios esperados de seu desenvolvimento. Inconscientemente, sem perceber, sendo conduzido por forças que ele não identifica ou reconhece.
É neste ponto que reconheço, admiro, estudo e me dedico ao trabalho psicoterápico. Apresentar-lhe as rédeas de sua própria vida, ajudar-lhes a firmar as mãos na condução de sua própria história, sendo seu apoio ao reconhecer e tocar as feridas e dores de suas histórias, ajudando-os a construir uma nova forma existir, se relacionar e, por que não, se satisfazer. Afinal, por que não redirecionar essa busca, abandonando a ideia do objeto externo fonte de prazer, e iniciando um caminhar sereno e corajoso que aprende a coexistir com a angústia do existir e a apreciação das breves pausas para a alegria?
Caminhando em ombros de gigantes – “Idealcoolismo” de Alvez Xavier e Emir Tomazelli