Sigo atentamente as reflexões propostas pelos pensadores e filósofos brasileiros que há alguns anos estão presentes nas mais diversas mídias, mais especificamente o professor Luis Felipe Pondé, Leandro Karmal e Clóvis de Barros Filho. Suas palestras, aulas e ensaios vêm alcançando um público jamais antes pensado pela academia e eruditos fechados em seus clubinhos de […]
Sigo atentamente as reflexões propostas pelos pensadores e filósofos brasileiros que há alguns anos estão presentes nas mais diversas mídias, mais especificamente o professor Luis Felipe Pondé, Leandro Karmal e Clóvis de Barros Filho. Suas palestras, aulas e ensaios vêm alcançando um público jamais antes pensado pela academia e eruditos fechados em seus clubinhos de mútua-satisfação de poder e astúcia oriundos de um delírio coletivo ao estilo folei a deux. Acredito que a disseminação do conhecimento e a provocação de reflexões sobre as questões essenciais da vida não devem nunca ser menosprezadas, muito menos quando acontecem por meio de linguagem simples e acessível a todos que estejam interessadas em recebê-las.
Digo isso pois, há muitos anos, mais especificamente por volta de 2012, ouvi do professor Leandro Karnal, em uma de suas palestras, que falas repletas de adjetivações devem ser ouvidas com cautela. A ideia é que por mais que o emissor esteja em plena tentativa de descrever a seu receptor, ou a outrem, ou à um grupo ou instituição, os adjetivos escolhidos por ele dizem mais respeito a ele mesmo do que a estes outros objetos externos. Naquela fase da minha vida eu estava em plena iniciação de contato com a teoria psicanalítica e, pouco mais adiante, com a filosofia nietszschiana. Mas a fala do professor fez eco em mim, me provocou, me instigou e me fez começar a perceber as ações e falas das pessoas de forma diferente.
Desde então venho me aprofundando no sentir inovador que a psicanálise possibilita, tanto por meio dos meus estudos, quanto por meio de meu próprio processo analítico e dos atendimentos que realizo diariamente nos serviços de saúde mental. No percorrer deste caminho me vejo ‘esbarrando’ com ilustres mentes, como as de Klein, Bion, Freud, Jung, Dostoievski e Nietzsche, e essa análise do discurso e agir humano vai se tornando cada vez mais emaranhada e, ao mesmo tempo, acalentadora.
Em um destes ‘sublimes esbarros’ encontrei Melaine Klein e seu entendimento sobre como todos nós somos seres de relação. Vou explicar. Para ela, o ser humano tem seu lugar, identidade e os sentidos de seus gestos e pensamentos dados pelas relações que estabelece com os outros seres humanos. As relações que nos constituem se dão no mundo externo, com as outras pessoas, e no mundo interno, na fantasia, na imaginação, no devaneio, no sonho. Esses mundos (externo e interno) são tão intrincados que fica difícil diferenciar um do outro. De forma geral, Klein nos ensina que nos constituímos nas relações e que tais relações acontecem em dois sentidos: identificação projetiva e identificação introjetiva.
A identificação projetiva seria o processo pelo qual colocamos no outro os nosso próprios afetos, pensamentos e modos de ser, vendo o outro a partir dos elementos que nele introduzimos e que se fundem com suas características próprias. Ou seja, projetamos nos outros nossas próprias partes, fazendo com que exista um pouco de nós em casa coisa que vemos ou tocamos, espalhando-nos no mundo. Já a identificação introjetiva seria o reverso, o movimento de introjetarmos os objetos do mundo carregados com o que neles projetamos.
A partir deste entendimento, podemos pensar que essas constantes relações entre os mundos exterior e interior que nos constituem abrem espaços para diversos fenômenos. Exemplo: as projeções maciças que fazemos podem nos impedir de conhecer de fato à uma pessoa. As vezes acreditamos conseguir perceber ao outro como seres independentes, separados de nós, mas podemos estar enganados. Na grande maioria das vezes percebemos o outro dentro da limitação do conteúdo que nele projetamos; vemos nele o que dentro de nós existe. Poderia citar um exemplo simples deste fenômeno: uma pessoa que cobra muito dos outros, esperando do outro que ele não cometa nenhum erro, que julga ferozmente quando o erro acontece e possui grande dificuldade em perdoar, nos mostra a forma como ela mesma se cobra, com uma auto-crítica gigantesca, convivendo com um grande sentimento de culpa e vergonha pelos erros que comete ou cometeu, pois não consegue se perdoar por eles. A dificuldade em perdoar o outro é oriunda da dificuldade de perdoar a si próprio, portanto ele projeta no outro sua própria dificuldade.
O entendimento do fenômeno das projeções em psicanálise nos auxilia no aprimoramento das relações interpessoais, especialmente quando usamos deste conhecimento para estarmos atentos as nossas próprias ações, opiniões, atitudes e reações no convívio em sociedade.
Existe um pouquinho de mim em tudo o que percebo, sinto e experiencio. Minha percepção de mundo é limitada ao tamanho da minha percepção sobre mim mesmo. Portanto, está aí a grande relevância do ‘conhece-te a ti mesmo’ (pensamento Aristotélico) e ‘torna-te quem tu és’ (pensamento Nietzschiano).
Existe muito mais, sempre muito mais, do que nosso limitado ego consegue vislumbrar. Seguimos juntos.